sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Um estranho na caminhada


Dois homens saem do velório do amigo. Preferem ir a pé pra casa. São 11 km, mas insistem, pois precisam conversar sobre tudo o que aconteceu nos últimos dias. Não está fácil de entender. Muito menos de aceitar a morte de alguém que parecia imortal.

Há pessoas assim, que parecem imortais. Cheias de vida. Planos infinitos. Motivam a todos que convivem. Com essas sempre há possibilidades, segundas chances e expectativas. Falo dessas que teimam que a luz do fim do túnel existe, mesmo que não consigamos enxergar.

As conversas depois dos velórios são reflexivas. As pessoas saem conversando sobre a idade do falecido. Ou era muito jovem - devia ter tido oportunidade de aproveitar mais a vida. Se a idade era avançada, o discurso é: “Agora que poderia desfrutar tudo o que plantou, morreu”.

 E o tipo de morte? Esse nunca é justo. Afinal, a morte não é justa. “A morte tem que morrer.” Os acidentes são ridículos, pois não avisaram o coitado de que iriam aparecer. E as doenças? Chatas, insistentes, inoportunas.

Tinham feito planos juntos. Projetos em longo prazo. Reuniam-se nas refeições para falar do governo que estabeleceriam, Não era pouca coisa. Era um governo. Tinham simpatizantes e agregados que seguiam as ideias dele. Alguns desses já haviam pedido as contas do emprego para segui-lo.

Era um homem bom. Havia esperança em suas palavras. Conquistou a confiança de todos. Como pode morrer? Por quê? Bom, ele já estava desconfiado que tramavam a sua morte. Até tentou avisar, mas para os amigos, ele era invencível. Prenderam-no, humilharam, assassinaram na frente de todos. A esperança de um governo justo se foi junto com ele.

A caminhada depois da despedida era densa, carregada de medo e angústia. Todos os que andavam com ele estavam sob ameaça. Talvez nem conseguissem chegar em casa. Os outros estavam escondidos. As mulheres e crianças choravam. Aquele sepultamento não era apenas de um homem, mas de sonhos de justiça e provisão.

Não há alguém que possa substituí-lo. Tampouco quem dê prosseguimento aos seus ensinamentos. Ninguém ensinou como ele. Às vezes era um terno conselheiro, em outros momentos ficava bravo. Mas como não ficar com seguidores tão teimosos?

Era alegre. Preocupava-se com todos. E não é conversa de que só porque morreu virou santo. Foi um homem bom. Por isso o mataram. Foi brutalmente assassinado. Dessas brigas de 20 contra um. Mas ele não reagiu. De certa forma, sabia o que iria acontecer. Talvez os revolucionários tenham que morrer. Será que são predestinados?

No percurso um terceiro homem se aproxima. Juntou-se aos homens que continham o choro. Um mais explosivo reclamava das injustiças da vida. O outro se lembrava do falecido com uma esperança que não entendia. O terceiro homem puxa assunto, pergunta o motivo da tristeza, ouve os desabafos. É estranho como alguém na cidade não saiba dos últimos acontecimentos. Está em todos os jornais. Eles contam tudo, como se a narrativa fosse uma forma de consolo. O ouvinte mantém-se calmo, terno, não há reação em suas expressões.

O estranho começa a falar. Não entende a frustração dos dois. Fala em afastar-se e deixá-los seguirem o caminho. Mas eles insistem na companhia. Suas palavras trazem um estranho alívio. Diz que deviam estar preparados para tudo o que aconteceu. Precisavam ser fortes e continuar os planos.

Quem será este estranho? Será ele que vai dar continuidade aos planos do falecido? Será que já estava tudo combinado? Tudo o que o estranho faz e fala lembra o amigo assassinado há três dias. Definitivamente, a tristeza foi embora. A esperança reacendeu como um milagre.

Fim do percurso - resolvem dividir a janta. Na cultura desses homens, só se compartilha as refeições com os íntimos. Mas o estranho está à vontade. Eles também. A companhia é boa, seus ensinos são fortes. Suas palavras encantam.

Hora de partir o pão. O suspense acabou. Ele. Somente ele, reparte o pão dessa maneira. Como não o reconheceram antes? A dor e a tristeza os confundiram. Mas de uma coisa estavam certos, ele é imortal. Jesus ressuscitou. Agora é correr e contar para os outros. Se vão acreditar? Talvez, não. Mas isso não importa. Ele cumpriu sua promessa: “Eis que estou com vocês todos os dias, até o fim”.



Luisa Neves

*Crônica inspirada na Bíblia, mais precisamente em Mateus 24:13-35. No caminho de Emáus.



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