Dois homens saem do
velório do amigo. Preferem ir a pé pra casa. São 11 km, mas insistem, pois
precisam conversar sobre tudo o que aconteceu nos últimos dias. Não está fácil
de entender. Muito menos de aceitar a morte de alguém que parecia imortal.
Há pessoas assim, que
parecem imortais. Cheias de vida. Planos infinitos. Motivam a todos que
convivem. Com essas sempre há possibilidades, segundas chances e expectativas.
Falo dessas que teimam que a luz do fim do túnel existe, mesmo que não
consigamos enxergar.
As conversas depois dos
velórios são reflexivas. As pessoas saem conversando sobre a idade do falecido.
Ou era muito jovem - devia ter tido oportunidade de aproveitar mais a vida. Se a
idade era avançada, o discurso é: “Agora que poderia desfrutar tudo o que
plantou, morreu”.
E o tipo de morte? Esse nunca é justo. Afinal,
a morte não é justa. “A morte tem que morrer.” Os acidentes são ridículos, pois
não avisaram o coitado de que iriam aparecer. E as doenças? Chatas, insistentes,
inoportunas.
Tinham feito planos
juntos. Projetos em longo prazo. Reuniam-se nas refeições para falar do governo
que estabeleceriam, Não era pouca coisa. Era um governo. Tinham simpatizantes e
agregados que seguiam as ideias dele. Alguns desses já haviam pedido as contas
do emprego para segui-lo.
Era um homem bom. Havia
esperança em suas palavras. Conquistou a confiança de todos. Como pode morrer?
Por quê? Bom, ele já estava desconfiado que tramavam a sua morte. Até tentou
avisar, mas para os amigos, ele era invencível. Prenderam-no, humilharam,
assassinaram na frente de todos. A esperança de um governo justo se foi junto
com ele.
A caminhada depois da
despedida era densa, carregada de medo e angústia. Todos os que andavam com ele
estavam sob ameaça. Talvez nem conseguissem chegar em casa. Os outros estavam
escondidos. As mulheres e crianças choravam. Aquele sepultamento não era apenas
de um homem, mas de sonhos de justiça e provisão.
Não há alguém que possa
substituí-lo. Tampouco quem dê prosseguimento aos seus ensinamentos. Ninguém
ensinou como ele. Às vezes era um terno conselheiro, em outros momentos ficava
bravo. Mas como não ficar com seguidores tão teimosos?
Era alegre.
Preocupava-se com todos. E não é conversa de que só porque morreu virou santo.
Foi um homem bom. Por isso o mataram. Foi brutalmente assassinado. Dessas
brigas de 20 contra um. Mas ele não reagiu. De certa forma, sabia o que iria
acontecer. Talvez os revolucionários tenham que morrer. Será que são
predestinados?
No percurso um terceiro
homem se aproxima. Juntou-se aos homens que continham o choro. Um mais
explosivo reclamava das injustiças da vida. O outro se lembrava do falecido com
uma esperança que não entendia. O terceiro homem puxa assunto, pergunta o
motivo da tristeza, ouve os desabafos. É estranho como alguém na cidade não
saiba dos últimos acontecimentos. Está em todos os jornais. Eles contam tudo,
como se a narrativa fosse uma forma de consolo. O ouvinte mantém-se calmo,
terno, não há reação em suas expressões.
O estranho começa a
falar. Não entende a frustração dos dois. Fala em afastar-se e deixá-los
seguirem o caminho. Mas eles insistem na companhia. Suas palavras trazem um
estranho alívio. Diz que deviam estar preparados para tudo o que aconteceu. Precisavam
ser fortes e continuar os planos.
Quem
será este estranho? Será ele que vai dar continuidade aos planos do falecido?
Será que já estava tudo combinado? Tudo o que o estranho faz e fala lembra o
amigo assassinado há três dias. Definitivamente, a tristeza foi embora. A
esperança reacendeu como um milagre.
Fim
do percurso - resolvem dividir a janta. Na cultura desses homens, só se compartilha
as refeições com os íntimos. Mas o estranho está à vontade. Eles também. A
companhia é boa, seus ensinos são fortes. Suas palavras encantam.
Hora
de partir o pão. O suspense acabou. Ele. Somente ele, reparte o pão dessa
maneira. Como não o reconheceram antes? A dor e a tristeza os confundiram. Mas
de uma coisa estavam certos, ele é imortal. Jesus ressuscitou. Agora é correr e
contar para os outros. Se vão acreditar? Talvez, não. Mas isso não importa. Ele
cumpriu sua promessa: “Eis que estou com vocês todos os dias, até o fim”.
Luisa
Neves
*Crônica
inspirada na Bíblia, mais precisamente em Mateus 24:13-35. No caminho de Emáus.
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